segunda-feira, outubro 29, 2007

O desafio

E

nquanto cavalgava, preparava-me pro que me esperava à frente. Um desafio de causar orgulho em qualquer um. Ser escolhido pelo Rei para acabar com um mal no reino.

Apesar de estar certo da vitória, não era isso que meu corpo e mente me diziam. Tentava de algum modo não pensar na batalha: aproveitar a paisagem, sentir o vento no rosto ou até mesmo acariciar meu cavalo, bom e velho amigo. Mas tudo isso só me deixava cada vez mais pesaroso sobre meu propósito.

Temi.

De longe, cerca de algumas milhas, já era capaz de avistar a colina e o forte abandonado. O Céu a essa altura já estava cinzento, como numa manhã de outono, e soprava uma leve e gélida brisa vespertina. Cobri-me com a capa, pois o metal de minha armadura gelava enquanto uma garoa fina porem intensa caia sobre mim. Pensei em meu Deus e General.

Fixei os olhos no meu destino e avancei do trote a cavalgada, meu fiel amigo entendeu minha pressa e me favoreceu.

As arvores e a trilha iam ficando para trás, e somente uma paisagem mórbida ia tomando conta não só dos meus olhos como do meu coração. O inimigo sabe as cartas que joga.

Alcancei rapidamente o forte, e o portão central não existia mais. Apenas as dobradiças enferrujadas pendiam das extremidades do grande arco de pedra. Destroços e despojos de uma aparente guerra eram a decoração do pátio. Num formato semicircular, o pátio se estendia em pelo menos 90 metros de diâmetro, e tochas foram estrategicamente distribuídas ao redor do mesmo. Ele me esperava. Acho que sabia até quem viria. Covarde!

Entrei vagarosamente e minha respiração se misturava no ar com a de meu cavalo, enquanto observava tudo. Levei a mão até o cabo da espada. E enquanto a desembainhava...

Fui surpreendido por uma armadilha, pensei em meu Deus, um grande vulto negro voou até mim, e me derrubou do cavalo. Com perícia esquivei-me do golpe por completo e rolei no chão sem qualquer dano.

Girei na direção do ataque com a espada a postos, e com a outra mão me livrei da capa. Ainda um tanto desnorteado não me preparei como deveria pro segundo ataque.

Ele se jogou pra cima de mim como um lobo caça uma lebre. Recebi o golpe frontalmente e ele cravou suas garras no peitoral de minha armadura, e senti sua boca morder ferozmente meu ombro esquerdo. Seus dentes vorazes perfuraram as talas metálicas e senti sua fúria insana destrinchar minha carne.

Rolamos no chão, e num lapso ele vacilou, dando brecha para lâmina de minha espada golpeá-lo. Forcei a lâmina contra suas costelas e o joguei para o lado reunindo uma força descomunal.

Levantei-me rapidamente, dessa vez preparado, e vi o que jazia tremendo no chão úmido de terra que nos cercava.

Um cão, bestial, mas um cão, suas narinas espiravam fogo, e nos seus olhos pude ver um espírito maligno. Um pelo crespo e sujo e com garras mais mortais que uma espada.

Não era ele apenas um contra-tempo.

Escutei palmas, singelas e mortais...

Minha carne gelou, mas meu espírito ardia numa intrepidez incomum. Lembrei-me da Palavra do Senhor. — Deus é o que me cinge de força e aperfeiçoa o meu caminho; Adestra minhas mãos para o combate.

Então o vi, do lado oeste do pátio, saindo das trevas de uma porta oculta. O Inimigo. Grande, forte, de porte abissal.

Então declamei em voz alta: — Pois o Senhor meu Deus, que me cinge de força para a peleja; faz abater debaixo de mim aqueles que contra mim se levantam!

Ignorando-me, correu com grande mobilidade até mim, e antes de qualquer defesa, acertou-me um golpe frontal. Atingindo meu peito e me jogando a metros. Cai sentado e tossindo muito, senti o gosto amargo do sangue chegar a minha boca. E minha armadura agora não passa de um monte de ferro amassado...

Agilmente me levanto, e chega à hora de atacar e não mais de se defender. Girei em torno de mim fazendo com que a espada seguisse meu contorno, e em seguida avancei contra o demônio. Sua expressão era de prazer, salivava e sua língua saltava pra fora da boca enquanto avançava simultaneamente comigo.

Suas garras se ergueram e minha espada bradou pela vontade do Deus forte. Nos chocamos e um surdo estrondo ecoou por todo pátio. E seu sangue pegajoso espirrou por todo lado, mas também fui ferido. Meu braço também sangrava agora. O direito.

O fitei, ali parado de pé, sangrando muito, também me fitava de cima a baixo. Por um momento pensei que existisse respeito entre nós... Que besteira pensar isso.

Girei na minha base, e com um exímio movimento golpeio nas pernas, ele ainda tentou se esquivar, mas para seu azar, minha espada era longa. E o pior ainda, pra ele, o Senhor dos Exércitos estava comigo!

Caindo ajoelhado, se prostrou aos meus pés, tentando ainda reagir, agarrou minha perna esquerda. Hum, pobre criatura.

E novamente a palavra me veio à mente e a boca:

Deste-me também o pescoço dos meus inimigos, para que eu pudesse destruir os que me aborrecem.

Sem piedade então decaptei-o.

Consumado estava. Já não mais havia ameaça.

>>>by Nelson Edson

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