segunda-feira, outubro 29, 2007

Confiança, Aliança e Força.


O

vento sopra uma suave melodia em meus ouvidos e aprecio a paisagem montanhosa à minha frente. Todos já estávamos cansados quando paramos para comer algo no cair da noite. Preparamos o acampamento e nos sentamos para comer e dormir.

Éramos três naquela ocasião. Três amigos, três irmãos cavalgando em frente a seu destino sem quaisquer duvidas quanto a seu propósito, porem temerosos quanto à jornada.

Estávamos no quinto dia de viajem e as florestas do ermo e o vale dos gigantes se perdiam ao sul. Lucas andava cabisbaixo, com sua capa enrolada sobre si e com o andar firme, mas lento. Rafael estava bem, com a postura ereta, passos firmes e com o olhar atento. Eu também estava bem, apesar de minha posição de liderança; estava bem.

Acendemos uma pequena fogueira e armamos nossas tendas. Em poucos minutos já estávamos prontos pra dormir.

Acordamos cedo, Lucas foi o primeiro, enquanto ele revisava os equipamentos, eu e Rafael fomos acordando. E sem qualquer desjejum saímos novamente, o sexto dia da jornada. Conforme o sol ia aquecendo minha pele e minha alma, minha esperança também se reacendia como um fogo incomum. Rapidamente saímos da campina e logo alcançamos os nosso limite, a partir daquele ponto, nenhum de nós já havia ido tão longe, as fronteiras de nossa terra.

Entravamos em território inimigo. Não sei quanto aos outros, mas em meu coração, só queria voltar pra casa, passei a me sentir um tanto abatido milha após milha. Meus companheiros viam isso. Mas graças ao olhar consolador e amigo de Rafael, me senti melhor. Cheguei perto de Lucas, parei o cavalo, e o abracei. Pude sentir o quebrantamento e a saudade em seu coração. Para ele estava sendo duro encarar tudo aquilo. Ele começou a chorar tão reprimido que senti meu coração pesar, olhei bem firme em seus olhos e o abracei mais forte que pude. Senti um amor tão profundo e tão fraterno naquele memento, que particularmente não queria que acabasse. Rafael apenas nos olhava tentando não parecer comovido. Então levemente colocou a mão em meu ombro, e me lembrei de onde estávamos.

A terra ia ficando árida e os vastos campos verdes, não eram mais tão freqüentes, apenas avistávamos as montanhas, escuras, avermelhadas e sombrias. O chão de terra batida foi dando espaço a um chão de barro vermelho e poeirento. Não se via uma arvore, e dificilmente podia-se ver um toco murcho e retorcido na margem da trilha. Um cheiro de morte rondava o local.

Tentei pensar em algo confortante e alegre, para descontrair, mas tudo em que pensava se transformava em terrível pesadelo, tudo sempre acabava em morte...

O dia passou e não conseguimos nem comer, estávamos apenas concentrados no que fomos fazer. Ou pelo menos tentamos fazer isso.

Lucas estava melhor e periodicamente ia a nossa frente na trilha para verificar o caminho à frente. Rafael mantinha sua mão ao alcance do arco como se tentasse prever um ataque. Eu estava mais calmo agora e não temia um ataque repentino, isso por que vi o que nos mantinha vivos e fieis ao nosso objetivo. No escudo de Lucas via o brasão do Senhor dos Exércitos, estava um pouco empoeirado, mas lá estava ele alimentando minhas forças. E um sentimento especial alcançava meu espírito quando via o símbolo da tribo de Judá, que fica ao redor do brasão.

No cair da noite nuvens cinzentas e densas cirandavam em torno da lua sombria, dando formas malévolas às nuvens que eram contrapostas a sua luz obscura.

Assim fizemos nosso último acampamento dessa jornada. Temerosos e desconfiados de tudo o que nos cercava. Tentamos revezar turnos para dormirmos, mas nenhum de nós dormiu direito.

O dia não amanheceu e Rafael logo desconfiou da escuridão eterna. Chegávamos cada vez mais perto. Ele foi quem tomou a iniciativa, reuniu suas coisas e saiu pela trilha montanha acima. Lucas e eu vendo isso também partimos, com uma diferença, resolvi deixar tudo que me trazia peso para trás. Fiquei apenas com minha espada e escudo, Lucas vendo que aliviei bagagem, logo fez o mesmo.

Ultrapassamos Rafael rapidamente e em pouco tempo ele fez o mesmo que nós. Ganhamos boa parte da montanha nesse começo, pois o aclive era bem suave e tornou nossa subida menos incomoda. Em poucas horas (creio eu) chegamos a um platô que separava a parte mais acentuada da que havíamos subido. O trabalho de verdade chegou ali.

O acesso era pedregoso e incerto, não havia trilhas e o traçado da rocha era muito sinuoso. Subimos com muita dificuldade e Lucas quase caiu umas duas vezes, uma vez salvo por sua lança e outra pela agilidade de Rafael. Eu também dei trabalho, cai e acabei torcendo o braço esquerdo. Doía, mas eu era o líder! A dor deveria ser suportada, não por só por eles, mas sim por meu Deus, Ele contava comigo.

Depois do quarto platô (que ficavam menores, quanto mais subíamos), paramos para tomar água e molhar o rosto. Podia ver no rosto abatido de Rafael alguém em quem podia confiar, e em Lucas... Via mais que um amigo, mas sim um verdadeiro irmão.

Quando a escalada parecia não mais ter fim, Rafael alcançou o último platô, grande, largo e plano. Um cheiro forte de enxofre era exalado de pequenos buracos no chão. E lá estava ele, sentado nos esperando, já sabia que estávamos ali. Fiquei pensando porque não nos atacara antes, quando seria fácil pra ele, quando estávamos desprevenidos.

A prepotência e a soberba alcançam rápido o coração daqueles que retêm o poder. Devemos entrega-lo nas mãos de Deus e ser humildes. Confiarmos nossos caminhos ao Senhor!

O Dragão.

Temível e devastador...

O Dragão. Vermelho, grande e ameaçador. Sua aparência réptil, língua bipartida e pelo menos da altura do maior castelo que já vi. Sua envergadura era de pelo menos uma vez e meia seu tamanho.

Quando nós três nos armamos e nos encaramos com certo temor e euforia, ele abriu suas asas demonstrando seu poder e terror. Serpenteou o longo pescoço e nos encarou cara a cara antes de recolher o pescoço novamente. Abriu sua grande boca e seus dentes serrilhados e sobrepostos se amostravam como sinal de poder.

Rafael correu para a direita e procurou algum refugio para suas flechas. Corri para esquerda, tentando desenvolver o máximo de velocidade possível, pensando em me prevalecer de minha estatura e rapidez. Lucas apenas o esperava com sua lança imóvel e a postos, apenas firmou uma base defensiva e fitava o dragão como se não o temesse. (e não o temia.).

Com grande mobilidade a fera se locomoveu rápida como uma cobra e chicoteou seu imenso rabo chifrado em minha direção, enquanto sua boca atacava a Lucas e sua asa varria o chão em busca de Rafael.

Rolei no chão com destreza e me esquivei do golpe, passando por debaixo da cauda. Mas não contava que algo tão pesado voltasse tão rápido, e apenas firmei a mão na tira de couro do escudo e o segurei contra meu corpo.Recebi o golpe quase lateral e frontalmente, pois havia muitos espinhos em sua cauda.

Rafael fora acertado pela asa foi jogado ao ar, mas ainda sim atirou uma flecha meio desconcertada. Errou, e sua manobra aérea arriscada quase lhe custa a vida. Quando se segurou em algo era quase tarde de mais, metade de seu corpo estava pra fora do platô, dependurado e balançando ao ar. Algumas de suas flechas se perderam pra sempre.

Lucas estava ali firme, estagnado como uma rocha, e seu ataque foi o pior, ele o desafiou ficando ali. Mas aquele que nos adestrou para guerrear não o fez para que perdêssemos. Rapidamente quando a horrenda bocarra tentou o abocanhar, se jogou para o lado e quase escapulia, quando um movimento insano e voraz, o abocanhara, o dragão balançou a cabeça e a armadura de Lucas o traíra se prendendo ao dente da fera alada. Mas sua habilidade com a lança não deveria ser subestimada, principalmente se tratando do inimigo.

Dependurado ele girou a haste no ar e enquanto o dragão tentava mordisca-lo. E com extrema perícia enterrou metade da lança no focinho da fera. Ela urrou e o largou do alto se contorcendo de dor.

Após ter recebido o ataque da cauda, senti meu braço estalar juntamente com meu escudo, uma dor terrível percorreu meu corpo e me desfaleci por alguns segundos. A única coisa que me veio à mente foi à imagem do brasão sagrado. Nesse momento Deus falou forte ao meu coração, e uma intrepidez sem fim me arrebatou. Esqueci da dor, e arranquei freneticamente para definir de uma vez o propósito de Deus naquela batalha, eu era o líder!

Aproveitando oportunidade que Lucas criara com o ataque da lança, me impulsionei para debaixo de seu longo pescoço e saltei contra ele justamente quando se dirigia contra mim. Ia me esmagar, mas era o único jeito que eu via de transpassar aquelas duras escamas. Desceu furiosamente contra mim, e joguei meu braço direito o mais forte que pude pra cima e segurei a espada com firmeza, caí sobre minhas ancas, e “empurrei” o chão com força.

Senti metade de minha mão penetrar junto com a espada. Suas escamas dilaceraram minha armadura e a pele de meu braço. O sangue corria como numa cachoeira sobre mim.

Mas não estava morto. Ergueu-me no ar, enquanto urrava de dor e surpresa, e lançou-me em queda livre. Ainda no ar foi capaz de abocanhar minha perna esquerda, se não fosse minha armadura, estaria sem ela agora. (a perna...).

Tentou me mastigar em pleno ar, mas foi alvejado pelas flechas incessantes de Rafael, que atingiam seu peito ferozmente.

Lucas desembainhou duas adagas banhadas a ouro que levava na cintura, e correu na direção da pata dianteira da fera. Com tremenda coragem, começou a escalar o corpo do dragão usando as adagas como instrumento. (O dragão não pensava que daríamos tanto trabalho, bem na verdade ele estava certo. Pois não éramos nós que batalhávamos, mas sim Jeová Sabaoh).

Quando Lucas já havia alcançado mais da metade da perna, o dragão me jogou no chão, e eu já estava quase imobilizado com minha perna totalmente ensangüentada. Foi então que vi a lança de Lucas, ali caída perto de mim, não sei como ela havia se desprendido da cara da besta, mas o fato é que ali estava. E a besta estava ocupada demais com Rafael e Lucas para me notar. Era minha chance!

Enquanto me arrastava para a lança, senti minhas forças se esvaindo, e meus olhos cedendo ao sono eterno, perdi muito sangue... Minha perna doía e meu braço... Nem o sentia mais.

A minha força secou como um caco, e a língua se me pega ao paladar, e me puseste no pó da morte”.

Meu coração se esvaziou de esperança e me entreguei...

Tudo jazia escuro, em trevas... Perdi para a besta, fracassei em minha liderança, no posto que meu Deus me deu.

Foi quando escutei:

—Mateus! – era a voz de Lucas, que gritava enquanto esfaqueava o lombo da fera.

Uma luz se acendeu e ouvi:

—Dar-te-ei o teu inimigo em tuas mãos.Levanta-te e cumpri tu a minha obra. E contigo farei concerto, e tu e teu povo serão abençoados, porque sou contigo: Jeová Senhor dos Exércitos.

Vi a na lança de Lucas a benção do Senhor, e não havia mais dor ou dormência, mas sim intrepidez e a valentia do Senhor.

Arranquei a lança do chão, e a segurei com toda força que ainda me restava. Nesse momento o Senhor me guiou, e o vi: o coração do inimigo, pulsando cheio de terror e ódio. Então toda terra e céus tremeram e disse o Senhor através de minha boca:

Livrou-me do meu inimigo forte e dos que me aborreciam, pois eram mais poderosos do que eu.

Joguei a lança contra o ar na direção da besta, e como num clarão atingi o peito da criatura, sua boca produziu um estrondo como de rochas se chocando e então caí surdo no chão.

Quando me dei por mim, Rafael me carregava pelo braço direito e Lucas pelo esquerdo. Todas as partes de meu corpo doíam e também pude ver que se feriram bastante. Carregar-me estava sendo um sacrifício pra eles, mas o fizeram.

Com a ajuda de Deus descemos a montanha e reavemos nossas provisões e coisas demais. Cuidamos de nossos ferimentos e tratamos de sair da terra do inimigo, que agora pertencia ao Senhor dos Exércitos.

Não havia mais escuridão e enquanto cavalgávamos de volta fomos abençoados por uma boa chuva de verão.

>>>by Nelson Edson

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