domingo, julho 08, 2012

Crônicas Normais │ Parte 01

Era tarde... ou seria manhã, madrugada? Já não se sabia mais.

As janelas fechadas, cortinas espessas, quarto bagunçado, computador ligado e a banda preferida tocando num volume quase inaudível. Apenas reconhecida com a atenção devida ao ambiente estático de melancolia e dor.

Ele estava simplesmente deitado no chão, no meio a bagunça de livros e papeis, suas anotações mais preciosas, seus pensamentos, todos ali espalhados. Na verdade tão embaralhados quanto seus pensamentos. Ele estava em torpor.

Aquele torpor mental de quem já pensou muito, sofreu muito, falou muito, e que se chega até a pensar se viveu muito. Olhos vidrados num poster, aliás, vários, pois todos eram colados no teto e não nas paredes do quarto, como seria comum.

É, mas ele nunca fora uma pessoa comum apesar de de seus poucos vinte e dois anos. Ainda era um adolescente, ou na verdade vivia como um? Sempre com seus pensamentos, introspectivo demais quando estava sozinho, suicidando seus paradigmas e sofrendo com a insatisfação real de não ter se descoberto.

Mas como? Quem pensaria que ele poderia sofrer tanto assim? Boa família, bons amigos... e quando estava com eles parecia ser alguém normal. Espirituoso, bem articulado, amigo... Mas se você tentasse reparar só um pouquinho nele, veria o tal torpor em seus olhos, veria que ele era vazio de emoções profundas, pensaria que tudo que ele faz é apenas para cumprir aquilo que se espera de um jovem em sua idade.

Mas, pra ele, vinha se tornando cada vez mais difícil viver dessa forma, ele tinha esses lapsos sabem... No fundo sabia que não deveria se entregar "ao-que-quer-que-fosse", talvez por isso ele tentasse parecer normal em sociedade.

E será que ele realmente tentava? Talvez não, pois na verdade ele se sentia completo, bem. Nem parecia que todas aquelas ponderações mórbidas rondavam e pairavam sobre seu consciente. Ele adorava a companhia dos amigos e familiares. Isso o fazia desligar de tanta profundidade na alma, era tão bom parecer raso, sutil.

Mas já era hora de se levantar, a barriga doía e a cabeça pesava, e ele nem sabia a quantas horas isso acontecia. Não sabia sequer se já haveria se passado um dia, ou dias... Ele só sabia que estava em torpor emocional, que seu espírito e alma andavam perturbadoramente amendrontados...

Levantou, um incomodo tremendo nos músculos e dores... foi até a janela e abriu de leve as cortinas. Mais dor. Era manhã. Provavelmente havia se passado mais um dia, ou exatamente um dia.

A manhã estava absurdamente linda, mesmo com os olhos doloridos ele decidiu contemplar o misto de cinza  urbano com as leves cores da vizinhança que o cercava. As roupas nos varais, animais nos quintais, crianças na rua enquanto os pais lavavam as calçadas ou carros.

Crianças tão alegres o quanto ele um dia já fora. Brincadeiras e correrias descomprometidas, sorrisos largos  e gritos gostosos de se ouvir. Já era final de semana e pela rotina, sábado.

Ele ficara três dias deitado, dormindo e acordando, acordado-dormindo...

Sem pensar, decidiu sair e andar, mas ao passar pelo espelho, grande mas escondido pela porta entreaberta do armário, se deu conta que ele estava um caco. Mas mesmo assim não se recompôs, apenas deu um jeito no cabelo, catou seu mp3 e saiu.

E deixou pra trás, ali no chão, todos os seus pensamentos e certezas, toda sua dor, mas não suas dúvidas.


Continua...




2 comentários:

  1. Nelson, isso me parecer ser uma crônica que você está escrevendo. Gostei da história que está se desenrolando. Isso me faz lembrar um pouco de uma pessoa que conheço muito bem, embora nem todos os aspcetos do texto se apliquem a tal pessoa. Mas... ótimo texto. Aguardo a continuação.
    Um abraço

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    1. Manoel meu amigo, é sempre bom ler seus comentários, obrigado por comentar.
      Espero poder manter uma periodicidade aceitável pra essas cronicas =)
      Um forte abraço meu amigo.

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Obrigado por comentar.